Por: Correio Braziliense/Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
O governo conta com o avanço mais forte da economia para elevar o capital político e pavimentar o caminho à reeleição do presidente Jair Bolsonaro, mas sabe que a trajetória não será fácil. O Palácio do Planalto entende que a reforma da Previdência foi necessária para garantir o futuro do equilíbrio das contas públicas, porém avalia que será a reforma tributária a responsável por destravar, de fato, a atividade, com mais resultados a curto prazo. Para isso, sabe que precisará encontrar a melhor sintonia da Câmara e do Senado — as Casas discutirão a composição de um texto único — com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A agenda econômica para 2020 está calcada na reforma tributária, no pacto federativo — por meio das propostas de emenda à Constituição (PECs) encaminhadas pelo governo ao Senado — e na reforma administrativa, que pode ficar para depois das eleições municipais. Essa pauta prévia, firmada entre o Executivo e o Legislativo, exigirá muita comunicação e negociação, sobretudo nos debates de atualização do sistema tributário. Mais do que nunca, os dois poderes precisarão estar em harmonia e aprender a ceder, como em um casamento, analogia tão usada por Bolsonaro.
Ao contrário das discussões em torno da reforma da Previdência, em que foi possível afinar a comunicação em torno de um texto único, a tributária tem ideias distintas da Câmara, do Senado e da equipe econômica.
Encontrar um ponto de equilíbrio e propor os debates em torno desse meio-termo serão o principal desafio às aspirações do Planalto na batalha para reaquecer a economia. “É uma guerra insana encontrar a calibragem das alíquotas e da unificação de impostos. O próprio Guedes tem sido um pouco infeliz na comunicação proposta”, sustenta um integrante do governo. O chefe da equipe econômica defende a criação de um tributo que muitos comparam à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Ele sustenta que a ideia é tributar não só consumo e renda, mas, também, transações digitais.
A comunicação em torno do imposto, no entanto, ainda precisa ser mais bem trabalhada, pois enfrenta resistência no parlamento. “Ele não quer usar o termo CPMF, mas taxar como se fosse. O (presidente da Câmara) Rodrigo (Maia) já falou que isso não passa. Vai ser uma reforma muito difícil, mas tenho esperança e acredito que vai ser aprovada, embora não da maneira que o Guedes quer”, alerta o governista. “O Guedes quer o mundo dos sonhos dele, e não é assim. Foi igual à reforma da Previdência. O governo foi lá e aprovou o que tem de aprovar. Democracia é assim.”
Outra diferença de ideias reside na discussão da unificação tributária. O governo quer debater a junção de impostos federais — em etapa que defende a fusão entre PIS e Cofins —, mas o Congresso mira a inclusão de demais impostos. E aí, tanto Câmara quanto Senado se dividem. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), proposto por deputados federais na PEC 45/2019, prega a unificação de cinco tributos. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA), sugerido por senadores na PEC 110/2019, dispõe sobre a substituição de nove tributos.
Vaidade
Relator da PEC 45, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria na Câmara, disse, em seminário realizado pelo Correio, que a proposta de unificação de ambas as redações assinala mais um simbolismo do que efetividade. “Do ponto de vista operacional, ela é um sinal político, mas acho que esse sinal político pode ser dado de outras formas”, ponderou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco parlamentar Unidos pelo Brasil, que representa quase 1/4 do Senado, reconhece que há um pouco de competição, vaidade e busca por protagonismo entre ambas as Casas, mas avalia que é dever do governo desatar eventuais nós.
Para Amin, o Planalto não pode se dar o luxo de esperar que o Congresso resolva atritos internos e diga o que quer. “Sem o governo, não haverá reforma tributária. Reforma tributária parida, gestada, entregue à sociedade pelo Congresso não existe no mundo, porque o governo, seja municipal, seja estadual ou federal, é decisivo nisso. É quem vai fazer as contas de quem vai ganhar e de quem vai perder”, alerta.
A leitura do senador Álvaro Dias (Podemos-PR), líder do partido na Casa, não é diferente. Ele acredita que, com uma boa articulação, será possível aprovar todas as reformas ainda no primeiro semestre. “Trabalhando com entendimento entre as duas Casas para que, enquanto uma reforma começa pelo Senado, outra siga na Câmara. Haveria, portanto, um cruzamento e economia de tempo”, sustenta. “Nós somos 513 deputados e 81 senadores. Certamente poderíamos constituir comissões diversas para, simultaneamente, discutir as várias reformas.”.
Para Dias, o Brasil está atrasado há 30 anos em matéria de projeto estratégico e desenvolvimento econômico. “Qualquer desperdício de oportunidades reduz os índices de crescimento econômico. Cresceremos porque o Brasil tem potencialidades econômicas extraordinárias, em que pese o governo, muitas vezes, atrapalhar”, critica.
Em meio aos desafios que se avizinham, o DEM desponta como o fiel da balança e se prontifica a trabalhar pela aprovação da reforma tributária e das demais pautas. O deputado Efraim Filho (DEM-PB), escolhido líder do partido por aclamação para 2020, ressalta que o comando das duas Presidências no parlamento e de três ministérios os credenciam a buscar o equilíbrio. “Nós temos de exercer um papel de muita serenidade no diálogo e equilíbrio nas tomadas de decisões para ser esse canal de comunicação e de interlocução entre as Casas do Congresso”, enfatiza.
Um desafio gigantesco
Em ano de eleições municipais, a aprovação da reforma tributária no primeiro semestre de 2020 — período acordado entre Executivo e Legislativo — mostra-se um desafio hercúleo. Ainda assim, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, demonstra confiança. O articulador político reconhece as dificuldades, mas ressalta que, em 2019, a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno em prazo semelhante.
O ministro lembra que as comissões permanentes da Câmara foram instaladas na primeira quinzena de março, depois da eleição do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Se a gente for analisar friamente, o ano legislativo começou no ‘pau’, mais ou menos para valer, no fim de março, e aí continuou em abril, maio, junho, julho e agosto”, argumenta.
O articulador político frisa, também, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está consciente dos esforços. Na reunião com Maia e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em que fecharam o calendário para a tramitação da reforma tributária, o chefe da equipe econômica se mostrou ciente dos obstáculos, mas otimista. “O Guedes falou: ‘Temos consciência de que o período de tempo vai ser diferente este ano’. Mas todos sabemos que, se começarmos firme (a tramitação) em fevereiro, mesmo que acabe em julho, tem espaço para aprovar muita coisa”, destaca Ramos.
Ele coloca na conta da aprovação da agenda econômica tanto a reforma tributária quanto as propostas de emenda à Constituição (PECs) 186, do Plano Emergencial; 187, dos fundos infraconstitucionais; e 188, do pacto federativo (veja arte). Na reunião entre Guedes, Maia e Alcolumbre, contudo, as sinalizações foram de que a reforma administrativa fica para depois das eleições.
Ramos mostra confiança no sucesso da tramitação e minimiza críticas vindas do Congresso. “Tenho tentado implementar não é nem política, mas uma maneira de relacionamento que o presidente determinou que eu tivesse, um relacionamento institucional. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, inclusive, me elogiaram na mesa para Guedes”, frisa.
Tramitação
Além da disposição de acelerar a tramitação da reforma tributária em fevereiro, o governo se mostra apto a colocar a articulação em campo em janeiro, quando a comissão mista inicia os trabalhos. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), diz que o Executivo vai se orientar para ter o máximo de efetividade a partir do início do ano.
“Eu vou participar junto da Secretaria de Governo e aproveitando que o parlamento não estará operando para que consigamos articular vitórias logo no primeiro mês (fevereiro)”, frisa. O deputado sabe das dificuldades, mas reforça que as pautas econômicas têm tido boa aceitação na Câmara e no Senado. “Os presidentes das duas Casas são liberais na economia e isso facilita muito a vida do governo, que também é liberal na economia”, comemora.
Expectativa de dobrar o PIB
Embora o governo vislumbre na aprovação das reformas restantes o caminho para o crescimento econômico e o aumento de seu capital político, a aposta de especialistas é de que a agenda econômica terá pouco ou nenhum impacto. A leitura é de que o maior e principal estímulo foi dado com a sanção da reforma da Previdência. Com a matéria e a consequente sinalização do compromisso com o ajuste fiscal, além da baixa demanda que ajudou a estabilizar os preços, o Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros (Selic) para 4,5%, o menor patamar da história. As pautas restantes, no entendimento de agentes do mercado, não vão atrair mais ou menos investimentos, o principal pilar do avanço econômico neste ciclo de retomada. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) deve subir entre 2,2% e 3%.
O governo aposta na reforma tributária para destravar a economia, mas a pauta que poderá fazer um diferencial no próximo ano é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, que dispõe sobre medidas permanentes e emergenciais de controle do avanço das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal. É o que sustenta Tony Volpon, ex-diretor do BC e economista-chefe do UBS Brasil. “Ela é necessária para garantir a sobrevivência do teto de gastos pelos próximos anos, é importante para dar uma âncora aos baixos níveis de juros, que ajudarão a economia a crescer mais rapidamente”, argumenta.
A não aprovação da PEC 186, contudo, poderia contaminar as previsões do mercado. “Pode causar um problema para as projeções de crescimento para o ano que vem”, alerta Volpon. A matéria é tratada por ele como a mais importante, embora destaque também a PEC 187/2019, que extingue fundos infraconstitucionais, e a PEC 188/2019, que descentraliza recursos entre União, estados e municípios. Entretanto, o mesmo impacto não seria sentido se as reformas tributária e administrativa, por exemplo, não fossem aprovadas em 2020. “Em grande parte, a economia se descolou da política, especialmente depois da aprovação da reforma da Previdência”, justifica.
O economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, endossa a análise. Para ele, a economia vai reagir independentemente da modernização do sistema tributário em 2020, porque os investimentos estão vindo mais acelerados do que o previsto. “As previsões de PIB estão aí entre 2% e 2,5% e até acho que vou reorganizar as projeções para algo mais próximo de 3%”, ressalta. “Tem espaço para manter o avanço da atividade no próximo ano, não pelo alarde das reformas, mas pelo silêncio da agenda microeconômica.”
A reforma da Previdência foi preponderante para jogar os juros num patamar baixo, no qual, para Perfeito, não há margem para reduzir mais. “A não aprovação da reforma tributária significa que vai jogar para cima os juros? Não, só quer dizer que (o BC) não vai cortar mais. (A Selic) até 5,5% já estaria estimulando para caramba (a economia). Esse estímulo vai continuar ainda forte, a despeito das reformas”, avalia. Ficar sem as reformas não seria necessariamente uma tragédia, desde que o governo não jogue para si a responsabilidade de resolver isso tão rapidamente, ressalta. “Para a Previdência, ele jogou e, se não fosse aprovada, o Executivo se acabava ainda em 2019”, crava.
Sinalização
Os juros baixos induzem investidores e empresários a aportarem recursos em infraestrutura, compra de máquinas e abertura e expansão de empresas. Quando estão elevados, são mais atrativos em aplicação em investimentos de renda fixa, como CDB, LCI, LCA, LF e Tesouro Direto. O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, concorda que as reformas preponderantes foram feitas e as que estão por vir, embora importantes, não são decisivas. Ele as considera, porém, significativas para a sinalização de mudanças. “As reformas já aconteceram, e a economia não vai crescer mais ou menos por conta delas, 2020 não vai ser guiado pela agenda do Congresso”, pondera. “Mas a sociedade está ainda por conta do desemprego elevado. A agenda é necessária para consolidar a visão de que o Brasil tem uma gestão responsável.”
Os estímulos com a pauta econômica poderiam ser mais bem recebidos pelo mercado se governo e Congresso entrassem em um acordo para a aprovação da reforma administrativa antes da tributária, diz o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes. “O efeito da tributária seria mais bem dimensionado se tivéssemos a administrativa antes. Uma coisa é o quanto você vai cobrar da sociedade. Hoje, sabemos, é 1/3 do PIB. Outra coisa é cobrar da sociedade com o governo gastando — e sabendo quanto vai gastar — menos, que seria uma consequência da administrativa”, defende.
Sobretudo em um ano eleitoral, Bentes alerta para as dificuldades de aprovação e, por isso, considera relevantes ajustes no cronograma estabelecido entre Executivo e Legislativo, que coloca a tributária à frente da administrativa. “Acho difícil avançar nessas agendas em 2020, mas, se for fazer isso, que seja de forma contundente. Uma coisa é fechar uma reforma meio aguada (tributária), outra é fechar uma reforma que consiga melhorar o gasto público”, argumenta
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