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segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Em um ano, Bolsa Família volta a ter fila de espera e salta de zero para 500 mil inscritos


Em apenas um ano, o programa Bolsa Família voltou a enfrentar um antigo problema. Desde junho, a fila de pessoas aguardando pelo benefício saltou de zero, patamar que se encontrava desde 2018, para 494.229 famílias. A espera é a maior desde 2015, quando mais de 1,2 milhão de famílias aguardavam o auxílio. São famílias cujo perfil de renda é compatível com programa e já estão cadastradas — mas continuam na miséria e sem a ajuda de R$ 89 por pessoa.
Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, após quatro meses de demanda junto ao Ministério da Cidadania, que só liberou a informação depois de determinação da Controladoria-Geral da União (CGU).
Entre janeiro de 2018 e maio de 2019, a média mensal de novos benefícios concedidos era de 261.429. Desde junho, esse número caiu drasticamente, e hoje esse número está em 5.667. Em nota, o Ministério da Cidadania afirma que a redução de benefícios se deu por questões orçamentárias e combate a fraudes, e cita ainda uma reformulação do programa, em curso na Esplanada.
Essa redução fez com que a entrada de famílias, que deveria ocorrer em até 45 dias após a inclusão e análise dos dados inseridos, passasse a até mais de seis meses, segundo técnicos que trabalham nesse setor.
A volta da fila no principal programa de erradicação da pobreza do país é fruto do enxugamento dos beneficiários no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, período em que o Bolsa Família chegou a atingir o maior número de assistidos desde 2004, quando foi criado. Em maio, 14,2 milhões de famílias recebiam um rendimento médio de R$ 190. Desde então, apesar de no ano passado o governo ter concedido o 13º salário, o programa vem encolhendo mês a mês, tendo atingido em dezembro o menor patamar de famílias beneficiárias desde 2011: 13,1 milhões.
Em julho do ano passado, a cuidadora de idosos Marlene de Almeida, de 46 anos, deu entrada no programa, devido à demora em encontrar um trabalho fixo. Desde julho de 2018, quando seu patrão morreu, ela busca uma nova colocação, fazendo bicos “quando aparecem”, para complementar a renda na casa em que mora com a filha de 7 anos e o marido, ajudante geral em um bar. Mesmo sem receber a carta, ela foi na semana passada ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no Centro de São Paulo, em busca de informações:
— Se não mandaram carta, não tem jeito, não adianta vir. Mas achei que teria direito (ao Bolsa Família). Conheço gente que recebe. Somos de baixa renda. Temos filha, e ela estuda.
Avanço da miséria
Sem recursos, a saída de muitos é contar com a ajuda e solidariedade dos vizinhos, como Yasmin Pereira, de 19 anos, moradora do Complexo da Maré, no Rio. Mãe de uma menina de 10 meses e de um garoto de 3 anos, ela se viu forçada a pedir ajuda em roupas e alimentos, distribuir currículos e ir ao Cras semanalmente em busca de uma resposta a seu pedido, apresentado em julho.
— Estou morando de favor. Minha vida é ir juntando R$ 10, R$ 20, R$ 30 para conseguir dar comida para as crianças. Não posso deixar eles com fome. Se não fosse o apoio dos vizinhos, não sei o que seria de mim, lamenta.
O ressurgimento da fila ocorre em um momento crítico no combate à pobreza. Em 2018, o número de miseráveis (considerados aqueles que vivem com menos de R$ 145 por mês) bateu recorde: 13,5 milhões, segundo o IBGE. Somente durante a crise econômica, mais de 4,5 milhões de brasileiros foram empurrados para essa situação, um aumento de 50% em quatro anos.
— Na crise, seis milhões de pessoas passaram a viver com renda de trabalho zero. E o Brasil encurtou a rede de proteção quando ela era mais necessária, afirma Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

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