ACADEMIA

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Quase 90% das sementes crioulas em Pernambuco foram contaminadas por transgênicos

 


As sementes crioulas ou tradicionais guardam a memória e uma grande importância para camponeses de todo o Brasil: selecionadas e armazenadas ao longo de décadas, possuem uma variedade genética muito superior e são mais resistentes e adaptadas ao território local. São também fonte de renda significativa para os agricultores, já que esse melhoramento natural agrega valor aos seus produtos.

Mas uma questão cada vez mais comum tem ameaçado a tradição: as lavouras transgênicas estão contaminando as plantações crioulas, descaracterizando a produção das famílias. Um levantamento do Movimento Camponês Popular (MCP) no ano passado apontou que quase 90% das sementes crioulas de Pernambuco que foram testadas estavam contaminadas por transgenia.

O produto mais impactado nesse processo é o milho, porque é uma espécie que não se autofecunda. Sua reprodução se dá por meio do cruzamento entre duas plantas – ou seja, necessariamente o pólen de uma precisa chegar até a outra para que germine um novo pé. É o processo conhecido como polinização cruzada, explica Felipe Caetano, da coordenação nacional do MCP.

Assim, a depender da proximidade, se houver uma plantação de milho transgênico (modificado geneticamente em laboratório) por perto, seu pólen pode ser levado por animais ou pelo próprio vento até uma lavoura de milho crioulo, contaminando a produção. A disseminação dos transgênicos, uma realidade no país, encurta mais e mais essa distância.

Um agravante é que, uma vez contaminado, o material genético nunca mais volta a ser puro. “Isso causa perda de biodiversidade, cada vez partindo para uma monocultura, uma uniformização da agricultura. Os agricultores que cultivavam suas sementes estão agora tendo que ou descartar as sementes ou plantar semente contaminada”, afirma Felipe.

Dessa forma, os camponeses têm perdas econômicas com a desvalorização dos produtos. Rompe-se, ainda, a tradição cultivada por décadas pelas comunidades, que garantia alimentação saudável e um estoque de sementes para o ano seguinte.

Sandreildo Santos, da direção nacional do MCP, lembra a origem dessas sementes transgênicas: os grandes grupos do agronegócio. “Essas são as empresas que detêm controle das sementes. As principais empresas do agronegócio, que produzem grãos para exportação ou produzem para ração animal, com sistemas integrados que subsidiam a agricultura familiar e distribuem sementes. Tem muita denúncia de contaminações localizadas que são feitas por empresas. Elas distribuem sementes transgênicas para um determinado grupo de agricultores e a partir daí contamina todas as outras”, expôs.

No entendimento da organização, existe uma disputa de dois projetos, diz Sandreildo: “O do agronegócio, que quer tirar a soberania dos camponeses, através da perda do controle da autonomia de ter as sementes para sempre ficarem dependentes de ir ao mercado comprar sementes; e,  em contraponto, o projeto dos camponeses de produção de alimentos de qualidade, trabalho da agroecologia e construção da autonomia e soberania camponesa”, pontua.

Umas das frentes de resistência do movimento camponês é a luta por políticas públicas. Apesar de as sementes crioulas serem muito mais baratas (cerca de R$ 15 o quilo) que as híbridas ou transgênicas (de R$ 30, R$ 50, até R$ 300 o quilo – ou seja, uma diferença de preço que varia de 100% a 950%), a agricultura familiar tem dificuldade de se inserir nas iniciativas de Estado de alimentação.

O Governo de Pernambuco tem o Programa de Distribuição de Sementes, da Secretaria de Desenvolvimento Agrário com o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), mas não reserva nenhuma parte do recurso para a compra de sementes crioulas, segundo Sandreildo. O material dos camponeses distribuído hoje é via parceria com algumas prefeituras.

“Em Pernambuco, estamos nesses 3 anos distribuindo uma média de 3 a 5 mil quilos para outras comunidades. Deveria ser muito mais se o Estado colocasse no programa as sementes crioulas. Poderia pelo menos destinar uma porcentagem para ir fomentando [a cultura]”, defende o militante.

Diferentemente do caso das sementes, produtos crioulos beneficiados podem ter preço mais alto, também por falta de incentivo. “Não temos subsídios do Estado. Não é que o agronegócio produz barato, é que as empresas recebem linhas de crédito, têm máquinas que o campesinato não tem. Existe um mito de que os produtos da agricultura familiar são mais caros. A diferença é o quanto o Estado opera”, levanta Sandreildo.

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