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domingo, 28 de julho de 2019

Pesquisadores se unem contra ataques à ciência no Brasil


Na última semana, por pelo menos cinco vezes o presidente Jair Bolsonaro questionou dados científicos produzidos por um instituto de pesquisa federal.  “Tenho a convicção que os dados são mentirosos”; “poderiam não estar condizentes com a verdade”; “prejudicam e atrapalham o País”; “esses dados servem para quê?” foram algumas das frases usadas por Bolsonaro para desmerecer as informações fornecidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento da Amazônia.
Esta não foi a primeira vez que o conhecimento científico foi posto em xeque ou ignorado pelo governo. Não é a primeira vez que a ciência foi posta em xeque ou ignorada pelo governo, principalmente na área ambiental – de informações sobre aquecimento global à definição de espécies ameaçadas de extinção ou o tamanho das áreas preservadas.
Para se posicionar diante desse cenário, um grupo de mais de 50 pesquisadores de todas as regiões do Brasil começou a se organizar para oferecer respostas baseadas no melhor do conhecimento científico de um modo acessível à população. Dessa articulação surgiu a Coalizão Ciência e Sociedade.
Apartidário, o grupo é formado por pesquisadores de relevante atuação científica, com disponibilidade de tempo para contribuir no diálogo entre conhecimento científico e as demandas da sociedade.
“Nosso objetivo é ser um antídoto para as fake news. Um contraponto para trazer uma visão independente, robusta e sempre pautada no conhecimento científico”, explica o biólogo Alexander Turra, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP).
“A ciência tem muitas informações para passar para a sociedade. A preocupação da Coalizão é mostrar isso num momento de fragilização da ciência, que vem de dois lados: com a redução de recursos, com os cortes em bolsas e com o endurecimento do discurso anti-ciência”, explica a bióloga especialista em ecologia de ecossistemas Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ela, o questionamento é motor do conhecimento científico, mas, afirma, isso não se faz apenas com críticas vazias. “Há um protocolo, o questionamento tem de vir acompanhado de fundamentos, argumentos robustos. Só questionar como sinal de descrédito não contribui muito para a ciência avançar”, diz a pesquisadora.
Para Mercedes, “perdeu-se um pouco o pudor e a elegância” em como as coisas são ditas, em referência às falas de Bolsonaro sobre os dados do desmatamento. “Antes, se algum ministro tinha dúvidas sobre dados de instituições públicas, convocava os técnicos, fazia reuniões. Agora as manifestações (de crítica) vêm primeiro”, complementa.
A atuação inicial do grupo foi em produzir artigos para serem publicados na imprensa ou em revistas renomadas de divulgação científica, como a Science, além de cartas endereçadas ao próprio presidente e aos seus ministros. Os cientistas também trabalhado em conjunto para planejar suas participações em audiências públicas no Congresso, como ocorreu recentemente num debate sobre licenciamento ambiental, e planejam produzir eventos específicos sobre temas que estejam mais em evidência.
Por exemplo, a Comissão de Relações Exteriores do Senado decidiu realizar um seminário com cientistas que negam que atividades humanas sejam as responsáveis pelo aquecimento global – uma minoria dentro da comunidade científica.
O Brasil tem diversos pesquisadores membros do principal corpo científico internacional que analisa estudos sobre aquecimento global, o IPCC. Mas nenhum foi convidado para participar do evento. “Então pensando em formas de criar um contraponto a isso, talvez fazer um encontro no mesmo horário”, afirma Turra.
A Coalizão também está se articulando com as duas principais entidades científicas do País, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (AB)C para promover ações conjuntas e com mais abrangência dentro da academia nacional.
Segundo Mercedes, as demandas por manifestações foram tantas até o momento que a Coalizão ainda não conseguiu estruturar um site. “Está até faltando fôlego para reagir a tantos ataques, mas estamos avaliando como melhorar nossa forma de comunicação, torná-la mais acessível. Começamos com os artigos pela nossa facilidade de escrever, mas temos planos para usar mais as redes sociais para conversar com a população, fazer vídeos, infográficos”, diz.
Riscos
O físico Paulo Artaxo, da USP e membro permanente do IPCC, diz que as cartas e artigos não têm como objetivo mudar a posição do governo, mas mostrar à população os riscos que questionamentos assim podem representar. Para ele, a sociedade precisa ter “mais resiliência” para minimizar os danos em situações do tipo.
“O impacto dos ataques do presidente (Donald) Trump são mais restritos ao desenvolvimento científico porque o Congresso (dos EUA) controla o orçamento. Quando ele quis fazer um corte de 90% nas pesquisas sobre aquecimento global, o Congresso vetou.” Seria bom ter no Brasil, para ele, um sistema menos vulnerável a mudanças de cada governo.

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