ACADEMIA

domingo, 28 de outubro de 2018

O confronto final: Jair Bolsonaro x Fernando Haddad


O pesselista
No início, eram poucos. Apenas 200 pessoas, reunidas no centro do Rio de Janeiro, reeditavam, 50 anos depois, a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, a manifestação que ocorreu no centro de São Paulo 12 dias antes do golpe militar de 1964. Na versão moderna, aos pés da Igreja da Candelária, os cariocas insatisfeitos com o governo do PT pediam “intervenção militar já”. Eram encarados como um nicho que merecia descrédito e estranheza. Entre eles, ainda quase despercebido, estava Jair Messias Bolsonaro, hoje com 63 anos.
Naquele começo de 2014, o deputado federal, ainda no PP, tinha acabado de perder a disputa com o PT pelo comando da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Quatro anos depois, lidera, contra o mesmo partido, a corrida pela Presidência da República. Como militar de formação, traçou uma estratégia de longo prazo para chegar aonde chegou.
Depois que as manifestações em protesto contra o aumento da tarifa dos ônibus municipais de São Paulo, em 2013, descambaram para a insatisfação contra “tudo isso que está aí”, o discurso antissistema ganhou força. Com as manifestações em defesa do impeachment de Dilma Rousseff, o verde e amarelo dominou o figurino dos manifestantes, com os apelos ao patriotismo tendo reforçado o discurso contra o vermelho petista.
O capitão da reserva do Exército pegou carona na ressurreição do pensamento nacionalista e militar, que parecia morto e enterrado desde a redemocratização. Bolsonaro abraçou a narrativa patriota contra o governo do PT.
Em 2015, pediu desfiliação do PP, partido que cada vez mais aparecia mergulhado na Lava Jato. “Tenho um sonho para 2018: disputar o cargo de senador ou presidente da República”, anunciou Bolsonaro à época. De manifestação em manifestação, o polêmico deputado passou a contar com a ajuda do filho do meio, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, para sair em busca da conquista de seguidores nas redes sociais. Ganhou impulso em 17 de abril de 2016, ao votar pelo prosseguimento do processo de impeachment de Dilma Rousseff, dedicando seu voto a um torturador.  
Na ocasião, depois de dar os parabéns ao então presidente da Casa, Eduardo Cunha, fez um afago nos simpatizantes que marcharam pela família na Candelária: “Contra o comunismo e pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”, bradou ao microfone, enquanto o filho mais novo, Eduardo Bolsonaro, lançava gestos de provocação aos deputados do PT. No mesmo voto, Bolsonaro resumiu em uma frase o que se tornaria nos próximos anos uma de suas principais bandeiras para vencer a disputa presidencial: “Pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve”.
As críticas contra o que chamou de “kit gay”, o material escolar lançado em 2011 pelo Ministério da Educação, à época comandado pelo atual adversário, Fernando Haddad, com abordagens sobre gênero e orientação sexual, serviram de carro-chefe para a campanha contra o PT — e também para os propagadores de fake news exercerem a criatividade em grupos de WhatsApp e no Facebook. “Nenhum pai quer chegar em casa e ver o filho brincando de boneca por influência da escola”, repetia Bolsonaro durante a campanha.
No fim de 2017, Bolsonaro acertou sua filiação ao Partido Ecológico Nacional (PEN), do ex-cortador de cana Adilson Barroso. O partido mudou de nome, passou a ser chamado Patriota como condição para a vinda de Bolsonaro. Menos de um mês depois, contudo, uma articulação do atual presidente do PSL, Gustavo Bebianno, garantiu a transferência do capitão para o PSL de Luciano Bivar. Bolsonaro estava pronto para disputar sua nona eleição, apesar de se apresentar como nome antissistema.
Em junho, o candidato passou a mostrar mais assiduidade em encontros com empresários do que nas sessões da Câmara em Brasília. Potencializado pelas promessas de privatizações e pela indicação do economista Paulo Guedes como provável ministro da Fazenda, o apoio do empresariado chegou de várias formas. No início de agosto, por exemplo, durante a convenção do então candidato a deputado estadual do PSL no Rio de Janeiro Rodrigo Amorim — aquele que exibiu a placa quebrada com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco —, o vice-presidente do Conselho de Administração da metalúrgica Gerdau S.A., Germano Hugo Gerdau Johannpeter, de 86 anos, enviou um amigo para entregar a Flávio Bolsonaro o livro Memórias de aço, escrito por Johannpeter em 2007. A edição incluía um longo autógrafo do empresário, irmão do presidente do grupo, Jorge Gerdau. Sua entrega foi seguida por um recado: o bilionário se colocava à disposição para ajudar financeiramente a campanha do presidenciável do PSL. No mesmo evento, o dono de construtora Alberto Fehlberg contava como havia contratado alpinistas — R$ 1 mil para cada um, de uma equipe de seis — para pendurar um bandeirão contra “comunistas” no Corcovado.
Bolsonaro apareceu a bordo de uma bicicleta enferrujada com os dois pneus murchos e foi aplaudido por membros da vizinhança que bebiam água de coco. Sentou-se à mesa de plástico, um assessor sacou o celular e passou a filmar a entrevista. “Estou há três anos viajando”, disse. “Já estive duas vezes em Fortaleza, três vezes em Recife, Salvador, duas vezes na Paraíba, acho que já bati no Nordeste todo”, prosseguiu. “O Norte também, já bati quase todo o Norte, sete estados. O Pará. Já estive em Belém, Roraima duas vezes, Amazonas duas vezes. Santa Catarina. O Sul já bati tudo.”
Àquela altura, Bolsonaro começara a se tornar sensação no Brasil profundo. Ao desembarcar nos aeroportos do país, era cercado e espremido por fãs que disparavam inúmeros selfies, botavam o presidenciável no Skype para falar com a mulher deles, armavam teleconferências com avós e tias do outro lado da tela ou pediam um depoimento em vídeo. Até que veio a facada que sofreu na primeira semana de setembro em Juiz de Fora, Minas Gerais.
O petista
Na tarde de 16 de outubro, passados nove dias do primeiro turno da eleição presidencial e com um muro de problemas cada vez mais alto para o candidato petista, Fernando Haddad, de 55 anos, escalar, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tomou o microfone em uma plenária convocada por movimentos sociais na sede da CUT na Zona Leste de São Paulo. Com o candidato a seu lado, ela falou do PT e de democracia. “Nestes 30 anos de democracia, nós começamos efetivamente a ter democracia concreta em 2002, quando elegemos o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva presidente deste país. Foi aí que fizemos uma promessa e compromisso com o povo de que todos teriam direito a comer pelo menos três vezes ao dia, teriam direito a emprego digno, a ter renda, a ter dignidade.” Foi aplaudida, mas de forma tímida por parte de alguns dos presentes.
Desde a passagem para o segundo turno contra Jair Bolsonaro (PSL), Haddad e seus aliados tentavam encontrar uma fresta para furar o que eles chamavam de “muro”. O diagnóstico da turma mais próxima ao candidato era claro: seria preciso formar uma frente democrática, um amplo de leque de apoiadores que pudesse atenuar a barreira do antipetismo. O problema é que a ampliação dos apoios para além da esquerda tradicional nunca foi consenso dentro do PT. Uma ala do partido impôs sérias restrições às conversas. Hoffmann estava à frente dessa turma, conforme ela própria deixaria claro no discurso daquela terça-feira em São Paulo.
A posição da presidente do partido seguia o entendimento de outro petista ilustre, o próprio ex-presidente Lula, que, em conversas na cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, dizia crer não ser possível ter do mesmo lado do palanque e dispostas a eleger Haddad forças políticas contra as quais sempre lutou, como PSDB e apoiadores de Marina Silva, por exemplo. Para Lula, as mãos só estariam dadas de forma convicta com “gente de extrema confiança”.  
Na véspera do discurso de Hoffmann, a campanha havia sido abatida por um tsunami vindo do Ceará. Ao discursar num evento de apoio ao presidenciável petista na capital do estado, Cid Gomes, senador eleito e irmão de Ciro Gomes (PDT), havia afirmado que o PT deveria pedir desculpas e dissera que, se o partido não o fizer, vai “perder feio”. A fala simbolizou o enterro das chances de formação de uma frente nos moldes planejados originalmente, com novos aliados engajados na campanha e ativos na busca de votos. Aparentemente, o discurso não foi a causa da ruptura, e sim a consequência.
Os esforços de Lula para barrar o apoio do centrão e do PSB a Ciro antes mesmo do início oficial da campanha nunca foram digeridos pela família Gomes. Ciro nunca se furtou a verbalizar a mágoa com Lula, apesar de se considerar soldado de seu projeto político. Antes do lançamento da candidatura Ciro, Lula nem sequer aceitou receber o aliado na cadeia. Quando o chamou, a campanha do PDT já estava na rua e era tarde. Durante o primeiro turno, provocado a responder se automaticamente apoiaria Haddad no segundo turno, Ciro atirou: “Nem a pau, Juvenal”. E explicitou o sentimento que ainda hoje afasta seu suor da campanha do petista: “A petezada costuma cultivar uma certa arrogância, uma certa superioridade, que não sei de onde tiraram isso”.
Em carta divulgada na quarta-feira, a primeira desde o início do segundo turno, Lula pediu a união do “povo e dos democratas” em torno de Haddad, mas repetiu o discurso esquizofrênico dos últimos anos. Ora exaltava a Lava Jato como conquista possível graças a governos petistas que fortaleceram órgãos de controle, ora dizia que o PT foi associado à corrupção por forças da imprensa e do Judiciário. Em 14 dos 19 parágrafos do texto, o petista exalta o próprio partido para, ao fim, fazer um aceno para além do PT.
Haddad buscou a tal frente ampla, mas, nos últimos dias, tudo que conseguiu foram adesões críticas a sua candidatura, nos moldes da declarada logo após o primeiro turno pelo PDT de Ciro. Na última segunda-feira, Mariana Silva (Rede) usou as redes sociais para manifestar seu apoio, mas no mesmo texto afirmou que o país está entre a cruz da corrupção, representada pelo PT, e a espada da violência, representada por Bolsonaro. O ex-governador tucano de São Paulo Alberto Goldman também deu seu apoio crítico, mas disse que, depois de votar no PT, pediria perdão a Deus.

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