ACADEMIA

domingo, 28 de julho de 2019

Um FIG para 600 mil pessoas


“Eu quero saber de uma coisa vocês: o que os pernambucanos querem comigo? Vocês não me largam”. A frase de Alcione tem muito de verdade. Como boa parte do Brasil, Pernambuco parece não se cansar da sambista maranhense. Na penúltima noite de programação do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), a Praça Guadalajara, completamente lotada, era só mais uma amostra disso.
Aos 71 anos, a Marrom continua com uma presença de palco indescritível. Mesmo que não possa correr pelo palco, por limitações da idade, interage com o público com naturalidade, mantém sempre um sorriso contagiante no rosto. O repertório, claro, é um caso parte, pois suas canções estão marcadas no DNA do samba nacional.
Em pé ou sentada, Alcione não economizou em sucessos e homenagens, especialmente a Beth de Carvalho. “Ela sempre foi uma cantora de repertório, era imbatível. Descobriu Cartola, Zeca Pagodinho, tantos… Canto para ela agora”, disse antes de emendar uma bela versão de As Rosas Não Falam. O setlist também imbatível da Marrom ainda contou com Estranha Loucura, Além da Cama, Juízo Final, Pedra de Responsa, Do Jeito que a Vida Quer e o enredo da Mangueira deste ano.
Em um vídeo, Alcione já havia criticado Bolsonaro por ofender o Nordeste. No FIG, exaltou a região e adiantou no palco que vai ser tornar cidadã pernambucana em breve.
Além disso, dois momentos de catarse merecem destaque. O primeiro veio com Tem que Me Prender, um daquelas sambas desabafos que o público do Palco Dominguinhos cantou a plenos pulmões. O outro foi no fim, com Não Deixe o Samba Morrer, canção sempre poderosa em uma voz como a de Alcione.
Antes dela, a noite no palco principal do FIG foi toda ocupada pelo samba. Começou com Belo Xis, seguiu com Karynna Spinelli e, depois, com Carla Rio. Gerlane Lops se apresentou logo antes da Marrom, celebrando o samba pernambucano e brasileiro, com um repertório que foi de Dominguinhos a Chico Buarque (Samba do Grande Amor) e Caetano Veloso (Reconvexo), sem abrir mão de sambas próprios.
MV Bill
Com críticas e crônicas da vida nas periferias, sufocada pela violência do tráfico e da polícia, o rap de MV Bill já completou 26 anos de trajetória. Não é pouco, e diz muito sobre seu talento e sobre o Brasil que as letras continuem tão incômodas e reais para quem escuta. Acompanhado da sua irmã, Kmila CDD, ele se apresentou na noite de sexta do FIG, no Palco Pop.
Só Deus Pode me Julgar, Falcão, Favela Vive Parte 2 e O Bonde Não Para foram alguns dos clássicos do show. Sem entrar em nomes, MV Bill criticou a idealização de políticos (“não precisamos de mitos”) e cantou a faixa Caixa 2, sobre a corrupção generalizada. Deixou também um agradecimento: “Eu não estou no hype ou na TV hoje em dia. Lembrarem de mim me deixa muito feliz, ainda mais em um festival que homenageia Jackson do Pandeiro”, finalizou.
Balanço
Na manhã de ontem, a organização do FIG realizou uma coletiva de imprensa para trazer o balanço do festival. Os números, principalmente em relação à movimentação econômica, só devem ser fechados na semana que vem, mas a estimativa de público já foi divulgada: 600 mil pessoas teriam circulado, ao longo de dez dias, por Garanhuns e pelos 21 polos do evento.
O recorde de lotação do Palco Dominguinhos foi o da noite do brega, com público estimado em 60 mil pessoas. No Palco Pop, o destaque ficou para MV Bill, com 5 mil pessoas. O Som na Rural da sexta também foi disputadíssimo, principalmente com o show de Tuyo. Ainda na música, vale o destaque para o Palco Instrumental, com uma das programações mais interessantes do evento, e o Palco do Forró, com uma média de público de 3 mil pessoas.
Na programação teatral, foram 10 mil espectadores, com direito a sessões extras. O polo Circo, com quase 15 mil visitantes, ainda recebeu o lançamento do Prêmio Palhaço Cascudo de Incentivo às Artes Circenses. A Praça da Palavra estimou em 5 mil o público médio circulante.
Para Marcelo Canuto, presidente da Fundarpe, o FIG se consolidou. “Ele não está ao sabor do momento, do que toca em rádios. O FIG valoriza as novas cenas com um olhar próprio”, declarou. “Eu considero essa uma das melhores edições dos últimos tempos”.
Na coletiva, com presença da vice-governadora Luciana Santos e do prefeito de Garanhuns, Izaías Regis, entre outras autoridades, o balanço do evento foi tido como positivo, ainda mais em período de ataques à cultura e de cortes em orçamentos. O secretário de Cultura Gilberto Freyre Neto pontuou que essa edição foi um ensaio para os 30 anos do festival: “Precisamos buscar um novo modelo, o da sustentabilidade. Vamos procurar parceiros privados”.
Canuto ainda ressaltou como pontos positivos o sucesso da noite do brega, uma “sinalização de maior abertura”, mas sem abrir mão da identidade do festival. Um plano para 2020 é fortalecer as atividades formativas, inclusive a Plataforma FIG, espaço de conversas com convidados nacionais para debater produção, políticas públicas e tecnologia, especialmente na área de música que foi inaugurado neste ano.

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