ACADEMIA

domingo, 11 de agosto de 2019

O Sertão que existe em cada um de nós


Bom de prosa, Irineu do Mestre gosta de contar que suas peças em couro já vestiram cantores famosos, elenco de novelas, presidentes da República e, até, presentearam o papa Francisco. Dia desses, o artesão recebeu o desafio de usar sua habilidade em trabalhar o couro para fazer objetos de decoração. Sua oficina instalada na Fazenda Cacimbinha, distante 14 km do Centro de Salgueiro, entrou no roteiro do Projeto Sertões Pernambuco, idealizado pela jornalista especializada em arquitetura, design e decoração de interiores, Zizi Carderari. Depois de trabalhar 20 anos na revista Casa Claudia, Zizi decidiu desbravar o País para mapear o artesanato e arte popular brasileira. A proposta é capacitar os artesãos e contribuir para que possam ressignificar suas peças, agregar design aos produtos e garantir maior inserção na decoração contemporânea. 
O nome do projeto não faz menção à região, mas a um universo de sentimentos e afetos. “Esse Sertão do qual estamos falando são todos os nossos interiores, nossas raízes. A importância de olhar para o nosso quintal”, explica Zizi. A primeira expedição do Projeto Sertões aconteceu em Alagoas, depois passou por Sergipe e chegou a Pernambuco. O resultado do trabalho no Estado foi exposto primeiro no Espaço Janete Costa, durante a Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte), em julho, e também será apresentado em São Paulo, no próximo dia 17. A expedição visitou artesãos do barro, do couro, da renda, da tapeçaria e da madeira, do Litoral ao Sertão. 
Irineu do Mestre, que integra a 3ª geração de mestres do couro, iniciada pelo avô Luiz, continuada pelo pai José e perpetuada por ele, foi desafiado a confeccionar bancos em couro cru. “Sempre vesti vaqueiros da cabeça aos pés, fazendo gibões, chapéus, sandálias e bainhas para facões. Também fiz roupas e chapéus para Dominguinhos, Fagner, Gilberto Gil, Zé Ramalho, Alceu, ainda vesti os atores da novela Velho Chico da Globo e fiz chapéus para os presidentes Lula e Dilma e até para ao papa Francisco. Mas chegou Zizi me pedindo para fazer uns bancos que não eram nem quadrados nem redondos. Foi um desafio, mas deu certo. Os quatro que fiz para o Espaço Janete Costa venderam no primeiro dia da Fenearte. Depois da feira já vou em mais 30 encomendas e não para de aparecer mais pedidos. Isso porque as pessoas adoram novidade e eu gosto de criar coisas diferentes. Hoje tenho catalogadas quase 300 peças diferentes”, conta, reconhecendo que o projeto ajudou a agregar valor a seu trabalho. 
“Acredito que esse seja o maior objetivo do projeto: dar destaque ao artesão que fica escondido e não desponta sozinho. Colocar esses artistas no ambiente do design e da decoração os coloca em outro patamar, em um ambiente valorizado. Quando nos deparamos com as peças no Espaço Janete Costa, por exemplo, percebemos a beleza das peças desabrochar”, observa Márcia Souto, Diretora de Promoção do Artesanato e Economia Criativa da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD Diper), uma das entidades apoiadoras do projeto. “Outro diferencial da iniciativa foi ter o cuidado de não modificar a identidade do trabalho dos artesãos, apenas contribuindo para ressignificar o trabalho, sem interferir na identidade”, destaca. 
No Brasil, as arquitetas Janete Costa e Lina Bo Bardi foram pioneiras em trazer o artesanato e a arte popular para a arquitetura. Filha de Janete e uma das organizadoras do Espaço Janete Costa da Fenearte, Roberta Borsoi, compartilha sua memória afetiva de que a mãe costumava encher a mala do carro de artesanato, comidas regionais e flores nas passagens pelas cidades onde costumava se encontrar, conversar e trazer peças dos artistas, porque ficava apaixonada pelo que descobria nas regiões. O Projeto Sertões contribui para que arquitetos e designers levem essas peças para fazer parte da decoração de espaços Brasil afora. 
“Em algumas regiões, como em Poção, ouvimos das próprias rendeiras que queriam mudar, que estavam cansadas da mesmice. Elas ficaram animadas em criar coisas diferentes. Fizemos passadeiras de mesa tingidas de índigo, cúpulas de luminárias de renda. A coleção recebeu o nome de Um jeito de olhar, porque nossa ideia não foi interferir na identidade dos artesãos, mas ressignificar os produtos”, explica Zizi. Os produtos também fizeram referência à região: jogo americano em formato de palma, capa de edredom com porta-travesseiro bordado em tons pastéis com tema inspirado nas flores dos campos de palmas, caminhos de mesa em tecido de xadrez com bordado. “Um trabalho como esse só se consegue fazer por meio de parceria com governos, arquitetos, empresas do setor e patrocinadores como Copergás, Jeep, Feira Na Rosenbaum, Villa Nova Tecidos e By Kamy”, cita. 
Cactos e coroas de frades gigantes esculpidas em madeira no cenário mágico do Vale do Catimbau, em Buíque (Agreste) pelo artesão Luís Benício, viraram pufes no Espaço Janete Costa. “O projeto nos permite ampliar o campo de visão, conhecer lojas importantes de decoração no País, conquistar novos clientes e ganhar visibilidade. Vendi todas as seis peças que levei e já contabilizo um total de 16 encomendas. É disso que o artista precisa ter seu trabalho divulgado, seu produto valorizado e vender”, comemora. 
O mesmo sentimento é compartilhado por mestre Abias, que viu seus gravetos se transformar em espelhos e luminárias. “Fiquei muito satisfeito com o resultado porque Zizi conseguiu juntar o meu trabalho com o da renascença pra fazer as luminárias. Esse ‘tchan’ que o design dá é que faz a peça ter mais valor e o artesão ganhar pela sua arte. E o trabalho rende frutos porque as encomendas continuam”, diz. As filhas de Ana das Carrancas, Maria e Angela também integraram o projeto, confeccionando fruteiras e mandalas. As informações são do Jornal do Commercio.

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